Das amarguras o amargor que embriaga a alma
Da doçura o mel que afaga o coração
Da afabilidade as asas que libertam corpo e espírito
Da ternura o que aquece os atos
Dos resultados a riqueza do processo
Quem sou eu para dizer-te errado, quando não há erro
Tão somente caminhos de aprendizagem
Mamãe sempre dizia que a maior Escola é a Vida
Vovó sempre dizia que a Vida é uma Faculdade
E eu pequenina as escutava, interessada em decifrar todas as sopas de
letrinhas. Pensava para comigo:
- Isso deve ser legal, quero aprender nessa escola e faculdade, quando
será que posso começar, quero ir lá?
- Os mais velhos, dizem que preciso ter idade. E o que é ter idade mesmo?
Quando vou ter idade?
E mergulhava nos meus diálogos interiores:
- Ué, mas o que será que elas estão dizendo, mesmo?
- Xiiii, eu não entendo direito, mas sinto aqui dentro do peito que
isso faz sentido...
- Ué, pra que será? Por que faz sentido? Por quê?
- Vamos escrever para conversar mais...
Assim intuindo, sentindo e pensando, lá ia eu a correr e mergulhar nos
meus diários e manuscritos para decifrar aquelas lições. Interessada por mais; retornava,
para aquelas conversas ao redor do fogão, do sofá ou do quintal. Ficava
maravilhada e aguçada.
- Vovó, fala mais, fala mais Vovó querida... O que quer dizer isso? E
isso? Vovó querida explica de novo, por favor, por favor...
(...) Quanta sabedoria explicita nas rugas e pele molinha da Vovó...
(...) Por que ela é tão molinha... Eu pensava...
(...) Mas é gostoso, tocar e abraçar a vovó...
(...) Ah, esse lenço na cabeça, porque será que ela sempre usa o lenço
e prende os cabelos longos? E ela é sempre cheirosa... Vovó perfuma como as
rosas...
(...) A Vovó é tão diferente e tão especial, ela é doce e divertida, e
ela sabe de tantas coisas...
- Será que dou conta de aprender tudo isso?
- Ah, como é gostoso...
- Quando crescer quero ser igual à vovó... É eu vou ter idade para
ficar igual à Vovó...
- Ué, mas será que ficarei assim também toda molinha e “enrugadinha”? Ah,
mas quer saber a Vovó é uma bela mulher, e é gostoso tocar nela, abraçar e
ficar perto; ela só é diferente, porque é “enrugadinha”. Será que um dia ela já
foi como eu?
- Vovó conta mais daquela história de quando você era menina pequenina
como meu...
O tempo passou (...)
Vovó partiu! E admirada me assusto quando dou por mim; tantos anos já
se passaram de sua partida. Que de infinito tempo, parece que no finito foi
ontem, e nunca o foi; pois a sinto tão presente. Dias como o de hoje em que por
alguma razão a sinto tão próxima e tão presente.
É interessante, o quanto Vovó Tiana, representa naturalmente referencias
ao meu Ser, para com muitos temas e reflexões, valores e lições. Para alguns
temas algo mais profundo e significativo do que livros e bibliotecas, sem demérito,
e sim por significar a mim vivencias experiencial de corpo e alma.
Ao redor da cesta repleta de laranjas ou mangas, em que nos esparramávamos
todos, e enquanto os adultos descascavam as frutas, nos deliciávamos, nos lambuzávamos
e ia se conversando, contando histórias e estórias. E eu ficava atenta
observando cada gesto, palavra e movimento, gostava de brincar com as crianças
e gostava também de me atentar aos adultos, sempre, sempre...
Adora observar Vovó preparando a Couve, havia todo um ritual naquele
movimento. Ela abria o saco, pegava a couve, separava folha por folha e lavava;
depois jogava o saco no lixo, juntava folha por folha, enrolava bem enroladinha
a couve. Pegava uma bacia de legumes das bem grande, sentava-se no degrau da
escada ou na cadeira entre a porta da cozinha e o quintal, puxava um pouco o
vestido longo, e com a bacia no seu colo começava a cortar a couve, fininha,
fininha. Cantarolava, contava histórias e repentes, e ao mesmo tempo
mantinha-se atenta a nós e a couve. E como mágica a couve ia sumindo das suas
mãos e que na bacia formava uma montanha verde. Depois ela ia para o fogão, e nossos
olhos já não conseguiam captar com tamanho detalhamento o que na panela
acontecia. Tão somente o aroma, e depois a mesa lá estava ela a “couve da vovó”.
- Ué porque será que depois que sai da panela, a montanha verdinha fica
com outra cor e menor?
Recordações da infância aos primeiros anos da juventude, tão latentes,
em que temas como Doçura e Afabilidade, me remetem a Vovó. Sem pedir, clamar ou
chamar, por natural e sublime emerge do âmago recordações tão vividas...
Perdas são perdas, perdas são ganhos, perda faz parte, perdas são
encontros e reencontros.
Estava a refletir sobre a Afabilidade e a Doçura, e quando dei por mim,
por ente lágrimas de saudade e presença, Vovó emerge no sabor doce e salgado
que pela face escorre...
E o que é doçura?
Seria a tamanha firmeza e acolhida da Vovó?
Seria a forma em que ela cuidava das plantas e flores?
A afabilidade de suas mãos, sim mãos mágicas, que deslumbravam os meus
olhos, pois a terra quando por ela tocada tudo brotava...
Seriam os bolinhos de chuva repletos de açúcar e canela?
Seria o cuidado ao presentear?
Seria a couve amarga e tão saudável, que por ela preparada tornava-se
adocicada e fininha?
Seria a sua forma de pronunciar meu nome e me chamar?
Oh Lani, venha cá Laninha...
Oh minha neta querida vem cá...
Seria a sua alegria e concentração para contar histórias e estórias em
suas cantorias?
Seria a forma de me pedir para cantar parabéns?
Seria a mágica da sua força na fé?
Seria o fervor de suas orações?
Seria a bravura branda das chamadas as nossas artes?
Seria a confiança ao nos confidenciar seus sentimentos, angustias e anseios
Seria o seu olha que no silêncio tudo dizia
Seria o toque suave de suas mãos
Seria a firmeza do seu doce timbre de voz
Seria a memória de elefante que de todos os aniversários se lembrava
Doçura natural que alegrava e aconchegava a todo
Colo imenso em que poderia até faltar tecido nas saias longas, mas não
espaço de acolhida
Colchas de retalhos coloridas que aqueciam o frio da alma e refrescavam
o calor da vida
Afabilidade natural que por onde quer que passe algo sempre a
presentear
Sua presença, o presente mais nobre
Sua essência, a jóia mais rara
Vícios e virtudes às claras
Braços fortes para acolher e apoiar
Braços frágeis e pesados por tantos pesares e amarguras
Leveza intensa no olhar
Olhar claro que de triste era lúcido
Olhar claro que de alegre era clareza
Construções conceituais de dogmas e morais, no misto com suas próprias
experiências
Ora tudo tão forte, denso e rígido
Ora tudo tão forte, leve e flexível
Um misto entre a sabedoria do que era e do que acreditava ser
Vovó era mais prática do que teórica, era mais de ação do que de
pensamento
Vovó era introspectiva e reflexiva, era mais de sentimento do que sensação
Vovó era intuitiva e aguçada, no misto, cautelosa e rápida
Vovó era generosa e econômica
Vovó era orgulhosa e humilde
Ora de nada prepotente ou arrogante, era suave ao pousar e repousar nas
asas da educação
Vovó era brava e nada boazinha
Vovó era benevolente e justa
Vovó não fazia para agradar
Vovó fazia porque sentia que era o certo
Vovó era o que intuía e no intuir, agia
Vovó era presente, presente
Vovó era “tudo” e “nada”, vovó era Mulher de fibra e sutilezas
Vovó nos seus últimos anos de vida, vivenciou a experiência da
dependência
De tão interdependente, determinada, corajosa e criativa aqueles últimos
anos de sua vida, ressoavam a muitos de nós algo incompreensível e cruel de
mais a ela...
De amante apaixonada pela vida, passou a ser temerosa da morte
Sim, Vovó passou a temer a morte dia-a-dia
Não teria a Vovó se praparado para a mote, ou para o definhamento da vida em morte?
Ora contudo, como dizer que sua vida foi definhando, se ela continuava tão iluminada a iluminar os seus? Poderia apenas o corpo definhar, e a alma lapidar-se?
Diante a tantas perdas e marguras, sua doúra continuava ali nítida, e latente a jorrar ternura...
Refinamentos da doçura com afabilidade? Reflexos do Amor?
Entrevada numa cama, dependente da ajuda para fazer as coisas mais
simples e naturais, das necessidades fisiológicas, as de conservação e socialização,
as mais sublimes. E misteriosamente Vovó que por vezes parecia esquecia não se
esquecia das datas de aniversário, e permanecia latente o seu dom generoso de
nos enxergar e saber o que ia à alma. Sua capacidade de aproximação empática, seu
estado livre e compreensivo, sua alegria e fé, sua bravura branda, ali
permaneciam latentes e aguçados. Poderiam ter algumas alternâncias no seu
estado de humor e mental, ora contudo, no espírito vivido ela reluzia.
Vovó morreu e continua viva dentro de nós
E nas suas filhas, mãe e tias minhas; no amargor da dor da perda é
possível detectar doçura no olhar e na pronúncia ao recordá-la. O que também se
reproduz ao observar nos primos, netos, bisnetos e tataranetos seus, as saudades
e vividas recordações, que de tão ricas e saborosas chega a doer e aliviar, por
fluir nos faz viajar no tempo com o tempo de nós.
Doçura algo que se faz e se sente;, se vivencia e se degusta ao natural
Afabilidade algo que toca serena e fica porque marca
Sim, doçura e afabilidade, algo que se experiência e se ensina através
dos atos, gestos, movimentos e comportamentos; e para contudo, algo que nos
toca no campo dos sentimentos traduzidos num jeito de ser gente, no humano espiritual,
que do natural consiste em nós.
Na torcida o desejo para que abraces o que faz voar a alma e levitar o
corpo
Que a agressividade genuína possa transmutar toda opressão, o opressor
e o oprimido
Que feito estações ensine a reconhecer na natureza o seu Eu em Você, e
o nosso Eu em Nós.
Equidade com na doçura e afabilidade, a você e a todos!
Fraterno abraço,
Por Elaine Souza - em SP. 13/02/2012 - 14h41min
Um comentário:
Ola, saúde a todos!!!!Fico de boca aberta. Deus abençoe por esta facilidade em escrever e pelo dom da palavra. Sede Feliz! Marcos
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