sexta-feira, 19 de agosto de 2011

COLCHA DE RETALHOS - UM LEGADO DA VOVÓ


Recordação 1 - ADUBAR AS PLANTAS E O SER HUMANO
A HERANÇA DA VOVÓ MATERNA - O LEGADO

Nossos encontros sempre começavam com um riso largo e um abraço apertado (tipo “lá vem ela (eu)”, pois eu tinha um monte de questões, sempre! E era uma criança curiosa e interessada nas lições da vovó e dos adultos e crianças. Ficava empolgada, com a vovó, que era um dos raros adultos que dava para aprofundar ainda mais o dialogo. E assim nossos encontros e reencontros, sempre terminavam com dois sorrisos e um afetuoso abraço grandão.
Minha avó também me procurava quando triste, solitária, preocupada, insatisfeita, decepcionada, em dor ou feliz.
Minha avó também me contava de suas dores, e também me pedia ajuda.
Uma linda e bela mulher, que não se portava necessariamente como um adulto superior que sabia mais e tinha que se impor a mim e me dominar. Era tão doce, quanto brava.
Minha “nossa senhora”, minha avó brava ou pra botar ordem, era danada, literalmente enquanto baiana, era “baiana boa e “arretada” de se ver e sentir”.
Nosso relacionamento era mágico, intenso e próximo. E quando assim me refiro, era por ser tão interessante a mim, a busca recíproca e recheada de cumplicidade e amor. Tanto eu a procurava, quanto ela me procurava com dúvidas, solicitações, silêncios, afagos e ajuda. Obviamente na época eu não sabia que era esse o significado. Eu só sabia que era algo gostoso e caloroso, tão bom quanto doce”. E sempre regado de Couve, Bolinho de Chuva e Colchas de Retalhos.
- Filha, vamos pegar as cacas dos cavalos, lá na rua?
- Mas voooooooooó, eu não quero, é sujo e fedido!
- Minha neta querida, faz bem para as plantas,  elas ficam mais bonitas!
- Adubo Vovó? O que é isso?
- Vitamina! Agente pega tudo, coloca pra secar ao sol, e depois coloca nas plantas. E elas ficam mais felizes.
- Mas vovó, como assim as plantas podem ficar mais bonitas e felizes com as sujeiras dos cavalos?
(risos da Vovó)
- Ôh, Lani, minha neta querida, o cavalo come capim. E então fica as melhores vitaminas para as plantas, também.
- É mesmo vovó?
- É sim minha neta querida, vamos lá?
- Tá bom minha vovó amada, vamos.
E lá íamos nós. (...)
Eu não entendia nadinha, mas a minha Vovó com aquele lenço na cabeça e com tanta firmeza e segurança fazendo aquilo. Eu apenas pensava e sentia. (...)
Isso é estranho, mas a Vovó é sábia, e cuida das plantas. Então está certo! As plantas que ela cuida sempre ficam mais belas, e é isso vamos ajudar.


Recordação 2 - A COUVE DA VOVÓ
Almoço e jantar com couve da Vovó. Em qualquer lugar, em qualquer lar, casa ou igreja, se a Vovó estava presente tinha couve bem fininha; sim, bem fininha pra comer. Ela ficava horas cortando a couve, com satisfação e cantarolar. Um marco nela.


Recordação 3 - COM AFETO OS BOLINHOS DE CHUVA COM CHÁ E CAFEZINHO
Tardes e manhãs com a Vovó...
- Tem bolinho Vovó?
E lá estavam... Sim onde estava Vovó, tinha bolinhos de chuva. E os bolinhos da Vovór, não sei porque, mas eram mais gostosos, mais saborosos, mais sequinhos e alguns trançadinhos, em formas de bichinho.
E nós no pensar curioso... Qual será o segredo da Vovó? Como será que ela faz? E não resistíamos, logo já estávamos a participar e indagar:
- Minha Vovó, amada, posso ajudar a fazer bolinhos?
- Oh, Lani, minha neta querida, vem cá senta ai e ajuda a Vovó
- Oba, Vó amada, como é que faz desse jeito eu não consigo?
- É assim (...)
- Ah, Vovó, mas o seu fica ainda mais gostoso, quero do seu!
(risos)
– Oh, Lani, deve ser segredo de Vovó!
- Então tá, vamos comer, já podemos comer Vovó?
(...)

Recordação 4 - CONTAGIAR E CELEBRAR COM ALEGRIA O PARABÉNS
Aniversários e o Parabéns, pra Vovó. Logo já vinha a me ordenar. E seu pedido era um chamado a ser obedecido, nesses momentos (...)
- Ôh, Lani, vem cá minha neta querida!
- Oi, Vovó querida, o que quer?
- Está na hora do Parabéns! Vá lá na frente ajudar a cantar o parabéns. E chame Tina pra ajudar! Cadê Tina, Lani?
- Não sei, Vovó! Eu vou procura-la e já volto.
- Pronto achei a Tina vovó. E agora?
- Agora, vá lá e chame todos, vamos cantar os Parabéns.
- Obaaaa, espera ai Vovó...
(e ela ria, ria, sorria. Enquanto lá estávamos a puxar o Parabéns)
Alguns anos mais tarde (...), já em seus últimos anos de vida entrevada numa cama e  cadeira de rodas, Vovó me disse algo que nunca havia dito diretamente. E foi só então que compreendi, porque ela sempre ordenava, que eu puxasse os Parabéns e chamasse a Tina pra ajudar.
- Ôh, Lani, vem cá minha neta querida; canta parabéns pra sua Vovó! Vá lá na frente e canta, vamos. Chame Tina, e cante!
- Mas, Vovó querida, eu quero ficar aqui com a senhora!
(ela já estava tão debilitada; e eram cada vez mais raros, os momentos em que estávamos juntas. Eu não estava com a menor vontade de cantar parabéns, e ficar pulando e cantando parabéns e parabéns, eu queria mesmo era ficar ali com ela).
- Não minha neta querida vá lá pra Vovó!
- Mas Vooooooooooooó (...)
- Chega aqui mais perto Lani (...)
- Oi Vovó, a senhora tá sentindo alguma coisa?
E ela sussurrou (...)
- Parabéns sem a Lani, não tem graça. E o parabéns com Lani e Tina juntas fica mais gostoso. Vá lá pra Vovó, vá e cante.
"Ops, nem pensei mais (...) O Ligeirinho veio que veio. E logo lá estava a pular feito macaca. E brincar com os Parabéns. Enquanto de longe observava, aquele Belo Ser, já tão cansado e debilitado, a sorrir satisfeito, realizado"
- Prontinho, Vovó! A senhora ficou feliz?
- Vem cá minha neta querida. Me dê cá um abraço na sua vovó querida.
"E nos abraçamos! Num abraço que ali pareceu-me eterno. E veio a outra lição do aniversário. Conservar a alegria e a importância do celebrar a vida, mesmo que essa já esteja definhando a nossa frente, pois a dádiva, o dom continua vivo".



Recordação 5 - A Colcha de Retalhos
Minha avó materna fazia colchas de retalhos. Eu adorava ajudá-la entregando os pedaços coloridos de tecidos. Ela fazia como um hobby, e depois que ficava pronta, presenteava seus netos, que eram muitos, cada neto a seu tempo (que eu não saiba qual era), recebia de presente uma Colcha de Retalhos. E além de bem quentinha, uma era mais linda que a outra. Eu nunca ganhava uma, uma espera que me parecia eterna.
- Vovó, elas são tão lindas, e quentinhas! Quando vou ganhar uma?
- Ôh, Lani, a Vovó vai fazer uma pra você. Darei uma para cada neto.
- Oba, Vovó, quando vou ganhar a minha?
(risos)
- Pega ali, Lani, minha neta aqueles retalhos, vamos costurar. A Vovó precisa de mais retalhos.
(risos)
“E lá estava eu a ajudá-la. Tudo um mistério, um barato, sim, eu ficava curiosa pra saber como ficaria a próxima, afinal eram tão lindas e coloridas, e sempre diferentes. Mas a minha, Colcha, nada de chegar. Eu já estava me tornando uma “mocinha”, e já havia até me esquecido, que ela havia prometido que um dia eu iria ganhar uma. Foi então que finalmente as Colchas Chegaram. Sim, as Colchas, eu ganhei mais do que uma. Não sei porque, mas eu ganhei foi logo duas, e eram lindas. Usei até não dar mais para usar”.

Recordação 6 - A VIDA É UMA ESCOLA, O VIVER É A FACULDADE DO CUIDAR DA NATUREZA EM TODOS OS ASPECTOS
Minha Avó materna era pessoa de pouca instrução “acadêmica”, mal era alfabetizada, e tinha uma sabedoria da vida genuína. Eu adorava conversar com ela, e estar perto dela.
Sempre tinha uma estória, uma história, uma metáfora, um “causo” ou “caso” pra contar, sim, assim era a vovó. Era interessante os sentimentos e as sensações que eram gerados dentro de mim, sempre que ela estava por perto ou em que estávamos juntas em “bando” ou a sós.
Estar junto dela, significava mil e um pensamentos e conexões antes de dormir, tantas pecinhas para encaixar na minha cabeça e coração, que além de ficar mais maluquinha, eu simplesmente amava. Diversas lições de vida eram sempre repetidas e repetidas em gestos, atos e contos. Porém tinham dois que em geral sempre introduziam suas falas, nos momentos do sentar para ouvir suas “estórias” e “histórias”, que me tocavam o coração profundamente, tinha algum sentido, algum mistério naquelas pecinhas. (...)
- Ôh Lani, vá estudar. Estude! Lembre-se sempre a Vida é a maior Faculdade, minha filha.
- A Vida é a maior Faculdade, vovó, como assim?
- Conviver com os Homens, que são nossos Irmãos na Terra com amor, minha neta!
- Homens irmãos na Terra, Vovó, como assim?
- A Vida é uma Grande Escola, e é vivendo-a que se passa por sua Faculdade
- Faculdade Vovó, como assim?
- Deus é Amor, minha filha, lembre-se sempre: a Vida é a maior Faculdade, e Deus é o Mestre
(lá ia eu juntando as pecinhas)
A outra que nos últimos anos, após sua partida, assustadoramente percebi que tinha um sentido ainda mais intenso e muito mais amplo, do que eu conseguia captar quando menina. (...) 
- Ôh, minha neta querida, venha cá, é preciso cuidar das Plantas e das Couves...
- Mas, Vovó porque a senhora sempre faz a Couve?
- Você não gosta Lani?
- Gosto, sim Vovó. Só fico curiosa, onde a senhora vai, sempre tem a Couve. Por que?
- As plantas fazem bem, minha filha. E seu avô sempre me dizia, que chegaria um tempo em que teríamos dinheiro na Terra, mas não teríamos mais o que comer, se os Homens continuassem maltratando a natureza das plantas.
- Como assim Vovó. Como é possível ter dinheiro, mas não ter onde comprar comida pra comer?
- Ô minha neta querida, senta aqui (...), é simples: tudo vem da natureza, é preciso cuidar das plantas, dos bichinhos e dos animais. Se agente não cuidar e acabar com tudo por ganância e egoísmo, chegará um tempo, que acontecerá o que seu avô me dizia. Sim, dizia ele, que teremos o dinheiro, mas não teremos o que comer, porque tudo vem da natureza. Tudo, tudo! E o homem estava destruindo a natureza.
- Tudo, tudo Vovó? Até agente? Eu sou planta e a senhora é planta Vovó?
(risos, da Vovó)
- Ôh minha filha, vem cá, me de cá um abraço!
- Vovó, acho que agora eu "tô" entendendo, é por isso que a senhora coloca a caca do cavalo nas plantas?
(risos da Vovó)
- Vovó e no Homem coloca o que pra adubar?
(risos da Vovó)
- Vamos ver a comida que esta no fogo, Lani (...)
- Mas Vovó, eu não entendi direito. Conta esse “causo” de novo?
E ela repetia tudo de novo, e de novo, e de novo. E então acrescentava (...)
- Por isso que a Vida é a maior Faculdade, e o Mestre é Deus, a Lição é o Amor, minha neta querida!
- Ajudar é amar, Vovó?
(risos e abraços)


Recordação 7 - A ESTRELA DO ANIVERSÁRIO É A VIDA E O DOM DO ANIVERSARIANTE
Minha Avó materna, era pessoa de poucos recursos materiais. E havia muito do sublime nela, dentre seus legados, a admiração da "lembrança de aniversário". Sim, ela sempre se lembrava do aniversário de todo mundo, e sempre dava um presente. A questão do aniversário era tão forte nela que mesmo depois de anos entrevada numa cama, e com todas as suas debilidades, dificuldades de dicção e etc., ela continuava se lembrando e nos lembrando dos aniversário... O dia raiava e lá estava, ela a dizer:
- Hoje é aniversário dê (...)
Um gesto de ternura ou um ritual de amor, poderíamos nos perguntar, sobre o ato de presentear da vovó. Por vezes ela comprava um sabonete (daqueles mais baratinhos, que o dinheiro dela dava pra comprar), embrulhava bem bonito, e dava de presente. Eu achava aquilo tão lindo, tão mágico, tão carinhoso, tão importante. Sim, eu a admirava e sentia que era o presente mais caro. E ficava triste quando percebia que alguém nem ligou, ou não deu bola para o presente da Vovó. E ficava curiosa,a me indgar: - se nem vão olhar para o sabonete da Vovó, porque ela insiste com isso? Eu já estava com os meus 12 anos, passados, quando não resisti a curiosidade. Após anos e anos observando, aquele gesto, aquela cena, até que perguntei:
- Vovó querida, preciso saber uma coisa!
Seu sorriso largo já sabia, lá vem ela (...)
- Fale minha Neta querida!
- Porque a senhora sempre dá um presente no aniversário de todo mundo? Noto que por vezes mesmo sem dinheiro, a senhora dá um jeito e compra um sabonete ou outras coisas mais simples, que as pessoas nem ligam?
Ela ai, continuou me olhando atenta, com seu sorriso largo. E eu continuei (...)
- A senhora não precisa gastar seu dinheiro comigo, a sua presença é o meu maior presente. Eu não entendendo Vovó, porque a senhora compra com tanto carinho um presente, mesmo que seja um sabonete; e algumas pessoas nem ligam. E fico confusa pois a senhora, nem liga que elas não ligam, continua fazendo. O que isso significa, Vovó?
COM os olhos emocionados (lagrimas que não caem, mas estão ali), ela se aproximou um pouco mais. (...)
- Ôh, minha neta querida! Vem cá dê me um abaço!
(...) abraços
- Agora ouça, a Vida é uma Dádiva de Deus. E no dia do aniversário de cada um, a Estrela vem! Sim, a Estrela passa por nossa vida, para nos lembrar porque estamos aqui! E nesse dia, cada um deve levar ao aniversariante um presente, em agradecimento a sua vida e ao dom que sua vida representa em nossas vidas.
- Estrela? Dádiva? Dom? Como assim, a senhora esta falando dos Três Reis Magos? Mas isso não foi pra Jesus, que é o filho de Deus?
(risos da Vovó)
- Viu minha neta querida, você já esta entendendo. E lembre-se todos somos filhos de Deus. Todos viemos com uma Graça, uma dádiva da Vida, um Dom para contribuir com o Mundo. E dar um presente é considerar essa Vida! É respeitar a existência desse dom, minha neta. Não é o valor material que importa. Minha filha é importante compreender o que você compreendeu, é o valor espiritual daquele gesto, é o que significa o gesto, o que importa, O presente mais caro ou mais barato, não esta no está no  valor que se dá pelo dinheiro nele depositado, e sim pelo sentimento e o significado do gesto.
- Ah, entendi, agora Vovó. Isso faz sentido. Mas e as pessoas que não se importam ou até jogam fora o presente que a senhora dá?
- Isso não importa minha neta. O que importa é o seu gesto. É o que fazemos com o gesto de cada pessoa. O aniversário, é um dia muito importante. E mesmo que seja um bolinho simples, é preciso celebrar. Olhar para o seu significado e para a vida de quem está completando anos de vida, e celebrar essa oportunidade divina.
- Oportunidade divina?
- Sim, de estarmos vivos, e podermos amar uns aos outros, agradecer a Deus, pela vida é muito, muito importante, Lani. Esse é o nosso maior dom.
- Ah, minha Vovó querida e amada, como é bom. Gosto tanto de conversar e estar com a senhora.
- Ô, minha neta querida, a Vovó também. Vem cá, me dê cá um abraço.

Meu desejo, pra você?
Por que estou partilhando contigo a herança da Vovó?
Desejo de corpo e alma que você, e todos os avós do mundo, possam ser e representar jóias raras na vida de seus filhos, netos, bisnetos, tataranetos e futuras gerações! Partilhar e multiplicar o valor do legado!
Com amor,
Lani (assim me chamava a vovó;))

Por Elaine Souza

Nenhum comentário:

Coração Saudoso

Benji - 03 meses Benji 02 meses Benji 01 mês Benji 07 anos com a Pytuka Benji 10 anos com a Pytuka Benji 10 anos com a Pytuka Benji 02 meses...